domingo, 9 de janeiro de 2011

Nem o bem nem o mal


O cinema argentino cada vez mais me surpreende. Reconhecido um pouco tardiamente, mas com muitíssima justiça no Oscar 2010 por O Segredo dos Seus Olhos, Juan José Campanella é um grande expoente de uma cinematografia que tem Fernando Solanas, Daniel Burman e Pablo Trapero (de A Família Rodante e Leonera). É deste diretor que quero falar agora. Candidato a filme do ano em 2011 a produção de 2010, Abutres (Carancho) é uma surpresa interessante, um obra de grande fôlego narrativo que questiona novamente a podridão do sistema, no caso das indenizações dos seguros de acidentes de trânsito, o DPVAT deles. Pode ser até considerado uma espécie de Tropa de Elite portenho, sem tantos tiros, mas com alguma violência.
Na história, Hector Sosa (mais uma exuberante interpretação de Ricardo Darín) é o que chamam de "urubu", um advogado especializado em acidentes de trânsito, daqueles que colam nas vítimas ou familiares deles e se oferecem para representá-los em indenizações do governo, mas que ficam com a maior parte do dinheiro. Na verdade, a grana não fica com ele, mas sim com o urubu-chefe Casal, o personagem do também excelente José Luis Arias. Na Argentina, são mais de 8 mil pessoas que morrem em acidentes por ano, este é o texto inicial do filme.

Nas rondas de Sosa, ele acaba se deparando com a paramédica Luján (Martina Gusman). Como toda a narrativa que se preze, o romance ocorre entre os dois. Seria improvável, mas acaba polarizando a história, pois Luján segue a ética médica e Sosa, por servir aos gaviões da máfia dos seguros, acaba por fraudar acidentes, até o momento em que ele perde um amigo quando forja um atropelamento. Um dos diálogos entre os dois protagonistas define o dilema: "Não sei mais o que fazer", diz Sosa e Luján responde: "Não sabe mais o que fazer. Você já é grande para saber o que tem que fazer".

Sosa decide se aposentar, mas novamente como qualquer narrativa hollywoodiana, quando uma pessoa tenta se aposentar ela vai se afundando cada vez mais no lodo. Até o hospital onde Luján trabalha e os policiais comem na mão do escritório de Casal. A Sosa só resta um plano, uma virada, um clímax e anti-clímax dos manuais de roteiro de Syd Field estão postos. Aí a montagem de Trapero e Ezequiel Borovinsky se destaca, alguns efeitos visuais e a trama nos arrebata e é claro que o final é surpreendente. Destaques para as cenas de extremos realismo do hospital onde Luján trabalha, para a boa maquiagem das inúmeras vezes que Sosa apanha, para os efeitos visuais, para um plano-sequência bem engendrado, enfim para uma narrativa exemplar na régia de Trapero. Recomendo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário